segunda-feira, 13 de julho de 2015

25 anos do ECA: a história de uma luta que se renova




"Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a forma como esta trata as suas crianças”, disse certa vez Nelson Mandela. À luz dos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), celebrados neste 13 de julho, vale refletir sobre a afirmação.

O Estatuto foi gestado no fim da década de 1980, num contexto de redemocratização pós-ditadura, período de retomada das liberdades democráticas. No lugar do regime autoritário, anseios por uma administração mais participativa. Discutia-se a necessidade de impor limites ao Estado e ampliar os mecanismos de envolvimento da sociedade civil organizada na condução dos rumos do país.

A Assembleia Nacional Constituinte, instalada entre 1987 e 1988, respondeu a esse processo de intensa participação popular e coletou experiências e iniciativas por todo o território nacional. Cartas encaminhadas pela população sugeriam as diretrizes para a nova Constituição enquanto movimentos sociais pautavam a afirmação de direitos e a ampliação do exercício da cidadania.

A Constituição de 1988 estabeleceu a mais detalhada carta de direitos de nossa história, que incluiu garantias civis, políticas, econômicas, sociais e culturais, e isso significou um enorme avanço conceitual e jurídico para a promoção dos direitos humanos no Brasil.

Também o ECA veio na esteira desse debate. A mudança de paradigma da tutela para a proteção integral representava, então, não apenas uma nova forma de encarar crianças e adolescentes; mais do que isso, era um tratado sobre a sociedade que queríamos ser — após duas décadas de opressão militar, os brasileiros diziam não a um modelo que higieniza, recolhe e encarcera, que criminaliza a pobreza, que culpabiliza as vítimas da omissão e ineficiência estatal. E por olhar para o passado reconhecendo nossos próprios erros e desejando mudar o futuro, fomos capazes de elaborar um documento à frente de seu tempo, que envia uma mensagem sobre a necessidade de se considerar a proteção aos direitos de meninos e meninas como uma pauta central para o desenvolvimento do país.

A forma como tratamos nossas crianças é um retrato da sociedade que somos (e que queremos ser), como bem afirmou Mandela. Reconhecer meninas e meninos como sujeitos de direitos muito contribuiu para que nos tornássemos uma nação um pouco menos desigual ao longo desses 25 anos, para que a educação básica fosse universalizada, para que os índices de desnutrição e mortalidade infantil reduzissem, para que fosse assegurado a todas as gestantes o atendimento pré-natal.    

O Estatuto surge no seio da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Que ele seja questionado e atacado em meio a um cenário de recrudescimento conservador não parece banal. A aprovação pela Câmara dos Deputados, em primeiro turno, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/93, que reduz a idade penal de 18 para 16 anos, é mais um risco de retrocesso, em meio a tantas violações a que temos assistido.

Se o ECA hoje sofre essa crise de legitimidade, é preciso aprender com a história. A luta por direitos nunca foi tarefa fácil, mas, entre meados dos anos 1980 e início da década de 1990, os atores da área da infância estavam organizados na batalha pela adesão da opinião pública — saíam às ruas para passeatas, construíam argumentos populares, convocavam meninos e meninas para se expressarem por meio de sua própria voz, enfrentavam disputas jurídicas, negociavam com parlamentares, buscavam visibilidade midiática, montavam bancas para coletar assinaturas —, e assim conseguiram encampar a emenda de iniciativa popular com o segundo maior número de apoiadores durante a Constituinte.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das legislações mais avançadas do mundo, tendo servido de modelo para a implementação de leis semelhantes em vários países, sobretudo na América Latina.

Há 25 anos, estávamos na vanguarda. E hoje, onde estamos? E onde queremos estar nas próximas duas décadas e meia? A resposta está na infância. Como afirma o teórico norte-americano Neil Postman, “as crianças são as mensagens vivas que enviamos a um tempo que não veremos”.

Ainda é possível virar o jogo, mas é preciso seguir lutando.

*Bárbara Pansardi é jornalista, trabalha na ONG Oficina de Imagens e escreve para a revista "Rolimã - em defesa dos direitos da criança e do adolescente".

Bárbara Pansardi
 
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