É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (CF- art. 227).
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e
nas leis ( ECA – art. 15 ).
Em razão de sua importância, o Direito à Liberdade foi elencado pelo
Legislador Constituinte dentre aqueles fundamentais à pessoa
humana. O pleno exercício deste direito e, em especial, da liberdade
de ir e vir, está previsto em inúmeras passagens na Carta Magna,
resguardando-se o indivíduo das arbitrariedades e da prisão ilegal, sujeitando
os infratores de citado direito à punição, na forma da Lei.
Está expressamente previsto na Constituição Federal, por exemplo, que
ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal ou, ainda,
que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
da autoridade judiciária competente, concedendo-se habeas corpus,
sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em
sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder(CF, art. 5º ,
incisos LIV, LXI e LXVIII).
Não bastasse a previsão do artigo 5º da Constituição
Federal, preocupou-se o Legislador em inserir capítulo próprio em que trata da
criança e do adolescente, para assegurar, prioritariamente àqueles, os direitos
já reservados a todas as pessoas, demonstrando ser a criança e o adolescente
prioridades na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Em consonância com a Lei Maior, o Estatuto da Criança e do Adolescente
deixou claro, em diversos artigos, a determinação do Legislador
infraconstitucional em garantir às “pessoas humanas em desenvolvimento”, a
realização efetiva, dentre outros importantes direitos, do direito à liberdade,
bem cujo valor somente pode ser equiparado à vida.
Dispõe, por exemplo, referida Lei, que é dever de todos velar pela
dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento
desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, cabendo ao
Ministério Público, em especial, dentre outras atribuições, zelar pelo efetivo
respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e
adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
Ao tratar do adolescente infrator, o Estatuto, elencando seus direitos
individuais, repetiu o Texto Constitucional, ao prever que nenhum adolescente
será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por
ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Previu, ainda, expressamente, referida Lei, que a internação constitui
medida privativa de liberdade sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
Apreendido o adolescente, deverá este ser imediatamente apresentado ao
Promotor de Justiça para ser ouvido, juntamente com seus pais e demais
envolvidos no caso, decidindo-se, o Promotor, por qualquer das medidas
previstas no Estatuto, isto é, a remissão, o arquivamento ou a representação.
Nesse contexto, em obediência aos preceitos contidos na Constituição
Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, fica evidente que deve o
Promotor, diante dos fatos, ao adotar alguma das medidas acima referidas,
analisar de imediato, a legalidade da apreensão e também sua
necessidade.
Assim, tratando-se de adolescente apreendido em flagrante de ato
infracional, pode e deve o Promotor de Justiça ordenar a soltura daquele
ilegalmente apreendido.
Do mesmo modo, deve colocar em liberdade àquele que, embora legalmente
apreendido, se enquadre nas situações previstas em lei nas quais não haja
motivo para a manutenção de sua apreensão.
Caso não o faça, poderá o Promotor de Justiça ser punido, na forma da
lei, por atentar, por omissão, contra direito fundamental do adolescente ( art.
5º do ECA).
Embora a liberação do adolescente pelo Promotor de Justiça não esteja
textualmente prevista na citada Lei, outra não pode ser a conclusão do
aplicador do Direito ao fazer uma interpretação sistemática do texto
legal.
Afinal, é previsão expressa do artigo 6º do Estatuto que
na sua interpretação levar-se-ão em conta os fins sociais a que se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a
condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento.
Assim, diante da Doutrina da Proteção Integral acolhida pela Lei
8.069/90, fica claro ser a apreensão do adolescente medida extrema a ser tomada
somente em casos excepcionalíssimos, devendo, caso ocorra, ser submetida à
apreciação do Promotor de Justiça, para evitar-se apreensões ilegais ou
desnecessárias.
Se fosse diferente, não haveria razão para que, uma vez apreendido o
adolescente, devesse este ser imediatamente apresentado ao Promotor de
Justiça.
As medidas a serem tomadas pelo Promotor, caso não pudesse liberar desde
já o adolescente, não justificariam, por si só, sua imediata apresentação
àquele.
Desse modo, referida apresentação se deve ao fato de que, ao decidir-se
por qualquer das medidas previstas em lei, deverá o Promotor analisar a
possibilidade de liberar-se imediatamente o adolescente, entregando-o aos seus
responsáveis legais sob termo de responsabilidade.
O Promotor de Justiça, segundo o Estatuto, quando da apresentação do
adolescente, diante dos fatos, após ouvir o infrator, seus pais e demais
envolvidos no caso, poderá conceder-lhe a remissão, promover o arquivamento ou
representá-lo à autoridade Judiciária.
Neste momento, repetimos, sem medo de incorrer em erro, deverá o
Promotor de Justiça decidir a respeito da imediata liberação do adolescente
infrator.
Concedendo a remissão – verdadeiro perdão ao ofensor – ou promovendo o
arquivamento, o caso estará encerrado, excluindo-se o processo, devendo os
autos serem remetidos ao Magistrado para que a decisão seja
homologada. Não promovendo a remissão ou o arquivamento, deverá o
Promotor de Justiça, visando a reeducação do adolescente, representá-lo ao
Órgão Judiciário para a aplicação de uma das medidas sócio-educativas previstas
no ECA.
Pois bem, como já foi dito, nenhuma dessas medidas justificaria a
imediata apresentação do adolescente ao Promotor de Justiça se não quisesse o
legislador que assim fosse feito para evitar que o adolescente ficasse
apreendido ilegalmente ou desnecessariamente, eis que, tratando-se de medida
excepcionalíssima, a privação de sua liberdade não deve ocorrer caso não seja
absolutamente indispensável. Se o Promotor nada pudesse fazer para cessar a
ilegalidade da apreensão, qual seria a razão para tamanha pressa em levar o
adolescente à sua presença? A resposta é clara: Embora não
textualmente escrita, está implícita no texto legal a vontade do Legislador
Estatutário no sentido de que tal apreensão, em razão de sua excepcionalidade e
brevidade, seja submetida ao Promotor para que este, reconhecendo sua
ilegalidade ou desnecessidade, promova, de imediato, a liberação do adolescente
e sua entrega aos seus pais ou responsáveis legais.
Assim, deverá o Promotor, ao receber o adolescente e analisar o caso,
verificar, inicialmente, a legalidade da apreensão, liberando, de imediato, o
adolescente, caso a apreensão tenha sido feita em desacordo com a lei.
Em seguida, o Promotor , verificando ter sido a apreensão legal, mas decidindo
conceder a remissão ou promover o arquivamento, deverá, também, nestes casos,
liberar o adolescente, eis que, injustificada, a partir deste momento, a
manutenção de sua apreensão. Uma vez concedida a remissão
ou promovido o arquivamento – tornando, evidentemente, a partir daí, qualquer
apreensão legal em ilegal, por falta de justa causa -, como seria possível,
manter-se apreendido o adolescente? Como se poderia admitir que,
após ser perdoado pelo Promotor de Justiça ou ter o seu caso arquivado,
pudesse, ainda, submeter-se o adolescente – figura central, ao lado da criança,
da proteção integral do Estado – ao constrangimento de continuar apreendido?
Tal tratamento não seria desumano, vexatório, degradante etc.? As
respostas a estas perguntas levam a conclusão que pretendeu o Legislador evitar
tal situação absurda, autorizando o Promotor de Justiça,
implicitamente – ao mandar que o adolescente lhe fosse imediatamente
apresentado -, a promover a sua imediata liberação e entrega aos seus familiares.
Finalmente, no caso de representação na qual pretenda a aplicação de
medida sócio-educativa diversa da privação de liberdade, é válido o mesmo
raciocínio para concluir, também aqui, ser dever do Promotor de Justiça
promover imediatamente a soltura daquele. De fato, não se
justificaria pleitear em juízo medida diferente da privação da liberdade,
mantendo apreendido o adolescente. Assim, mesmo nos casos
de representação pelo Promotor de Justiça, verificando este tratar-se de caso
no qual não seja cabível ou recomendável a aplicação de medida sócio-educativa
privativa de liberdade, deverá promover a imediata soltura do
adolescente.
Em resumo, pode-se afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, que o
Estatuto da Criança e do Adolescente não só permitiu, como impôs ao Promotor de
Justiça, no momento da apresentação do adolescente apreendido em flagrante, o
dever de – caso verifique a ilegalidade da apreensão, conceda a remissão,
promova o arquivamento ou faça a representação deste pretendendo a aplicação de
medida sócio-educativa diferente da privação da liberdade – providenciar sua
imediata liberação e reintegração familiar.
Assim agindo, estará o Promotor de Justiça assumindo, de fato, a nobre e
grandiosa tarefa que lhe foi atribuída pela Constituição e pela Lei, de
proteger os direitos da criança e do adolescente e, em particular, do
adolescente em conflito com a lei, a bem de toda a coletividade.
Antônio Robis Goltara Promotor de
Justiça Agosto de 1999