quarta-feira, 13 de março de 2013

Em defesa das prostitutas, contra a regulamentação da prostituição



Ana Pagu e Raíza Rocha*

Dignificar a prostituição como trabalho não significa dignificar as mulheres, mas sim "dignificar" ou facilitar a vida da indústria sexual

A prostituição está diretamente relacionada com a exploração sexual, a mercantilização do corpo feminino e a violência contra as mulheres. No Brasil, o comércio direto do corpo ocorre à luz do dia, é estampado nos classificados dos jornais diários e é mais um "atrativo turístico" para os estrangeiros que visitam o país. Sem alternativas, milhares de mulheres são submetidas à escravização dos seus próprios corpos para sobreviver. Distribuídas pelas ruas das cidades, coagidas por cafetões, donos de bares e boates, submetidas à humilhação e violência dos "clientes" e aliciadores, vendem o corpo porque, na maioria das vezes, não conseguem mais vender ou reproduzir a sua força de trabalho. Estas mulheres são ainda, de acordo com o Relatório do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2010), do Ministério da Justiça, os principais alvos do tráfico humano para exploração sexual. Regulamentação da exploração sexual.

Em 2012, o deputado do PSOL, Jean Wylls, apresentou o Projeto de Lei N° 4.211 à Câmara dos Deputados, que propõe a regulamentação da prostituição. O objetivo seria não só "desmarginalizar" a prática como também aumentar o controle e a fiscalização do Estado sobre o "serviço", garantindo supostamente proteção às mulheres em situação de prostituição. No entanto, o PL significa um retrocesso na luta pela libertação da mulher e contribui para a expansão da indústria do sexo e do tráfico de mulheres, na medida em que descriminaliza e legaliza a exploração sexual.

Hoje, no país, o ato de se prostituir não é crime. Pagar pelo sexo também não. Mas a exploração sexual, ou seja, induzir, aliciar, facilitar a prostituição ou a exploração sexual, bem como dificultar ou impedir que alguém a abandone, é criminalmente condenável. As casas de prostituição também são ilegais. Com o projeto, a exploração sexual estaria institucionalizada.

Textualmente, o PL deixa claro o que deve passar a ser entendido por exploração sexual: "1) apropriação total ou maior que 50% do rendimento de prestação de serviço sexual por terceiro; 2) o não pagamento pelo serviço sexual contratado; 3) forçar alguém a praticar prostituição mediante grave ameaça ou violência". De acordo com o projeto, uma terceira pessoa poderia se apropriar de até 50% do valor do "serviço". Em outras palavras, com este projeto, a exploração sexual de mulheres estaria legalmente permitida, os cafetões seriam transformados em homens de negócio, legítimos "empresários do sexo", e as casas de prostituição em "estabelecimentos" de compra e venda de corpo de mulheres para fins sexuais.

A justificativa para a apresentação do projeto segue a mesma lógica mercadológica. Segundo o autor do projeto, "o Brasil ocupa posição de crescimento econômico e vai sediar dois grandes eventos esportivos que atraem milhões de turistas. A regulamentação da profissão do sexo permitirá alto grau de fiscalização pelas autoridades competentes, além de possibilitar e até mesmo incentivar o Poder Executivo a direcionar políticas públicas para esse segmento da sociedade (como a distribuição de preservativos, mutirões de exames médicos e etc.)”. Os megaeventos seriam, portanto, uma "boa oportunidade" para regulamentar a prostituição. Para a indústria do sexo, com certeza. A exploração da prostituição no mundo é a terceira atividade mais rentável do crime organizado, perdendo apenas para o tráfico de drogas e armas.

O projeto argumenta ainda que a regulamentação não estimularia a expansão da prostituição, não promoveria o tráfico de mulheres e nem a prostituição infantil. Ao mesmo tempo, permitiria aos profissionais do sexo "o acesso à saúde, ao Direito do Trabalho, à segurança pública e, principalmente, à dignidade humana".

De forma genérica, o projeto prevê que a simples regulamentação da prostituição como Trabalho garantiria direitos básicos às "profissionais do sexo". Na simplista equação, o mesmo Estado que nega emprego, saúde, educação, moradia, transporte, lazer e segurança para as mulheres trabalhadoras e que tornam, muitas vezes, a prostituição como a única "opção" possível para elas, garantiria os direitos básicos para exercer a sua "profissão". Dignificar a prostituição como trabalho não significa dignificar as mulheres, mas sim "dignificar" ou facilitar a vida da indústria sexual.

No mesmo sentido, as experiências de países que regulamentaram a prostituição mostram o contrário do propagandeado pelo projeto. Na Alemanha e Holanda, o tráfico de mulheres é eufemisticamente descrito como "imigração facilitada". Na Holanda, por exemplo, o governo chegou a estabelecer uma cota legal de "trabalhadoras sexuais estrangeiras". Como a esmagadora maioria dessas mulheres são pobres, é quase impossível financiar a sua própria imigração, restando-lhes, assim, a ter que se sujeitarem à intermediação de um "empresário de sexo" para conseguirem se estabelecer em um "negócio" fora do seu país. Os passos seguintes são praticamente conhecidos por todos: a mulher assume dívidas com o cafetão e passa a se subordinar aos seus interesses.

No projeto apresentado no Brasil, esta intermediação é vista, inclusive, como um "ato de solidariedade". Na proposta de alteração dos artigos 231 e 231A do código penal, que fala sobre o deslocamento de prostitutas dentro e para o território nacional, "a facilitação do deslocamento de profissionais do sexo, por si só, não pode ser crime. Muitas vezes a facilitação apresenta-se como auxílio de pessoa que está sujeita, por pressões econômicas e sociais, à prostituição. Nos contextos em que o deslocamento não serve à exploração sexual, a facilitação é ajuda, expressão de solidariedade; sem a qual, a vida de pessoas profissionais do sexo seria ainda pior. Não se pode criminalizar a solidariedade. Por outro lado, não se pode aceitar qualquer facilitação em casos de pessoas sujeitas à exploração sexual". Cabe relembrar aqui que a concepção de exploração é modificada neste novo projeto e se apropriar de até 50% do "rendimento da prestação de serviço sexual" estaria dentro da lei.

Na Holanda, em 2000, houve a regulamentação da prostituição. O resultado foi um aumento do faturamento de 25% da indústria do sexo, que representa hoje nada menos que 5% da economia holandesa.

A prostituição como mercadoria é a escravização do corpo da mulher 
 O projeto ainda define as atividades da profissional do sexo da seguinte maneira: “Art. 1º: Considera-se profissional do sexo toda pessoa maior de dezoito anos e absolutamente capaz que voluntariamente presta serviços sexuais mediante remuneração. § 1º É juridicamente exigível o pagamento pela prestação de serviços de natureza sexual a quem os contrata.§ 2º A obrigação de prestação de serviço sexual é pessoal e intransferível”.

O sexo e a mulher são mercadorias. Rompe-se a ideia da mulher como sujeito social, substituindo-a por uma mercadoria exposta ao comércio sexual, cujo valor é resultante de uma relação desigual entre quem consome a prostituição e a quem a ela tem de se submeter, permeada por uma naturalização do machismo e da submissão. O que não é o mesmo de uma relação entre o patrão que explora a força de trabalho do empregado para produzir uma mercadoria ou um serviço.

Isso porque, é impossível comercializar o sexo sem comercializar a pessoa. A própria mercadoria (corpo) é o meio de produção (corpo). Então, não se trata da venda da força de trabalho, mas da escravização do corpo da mulher que se transforma em próprio objeto mediante pagamento. A regulamentação da prostituição como profissão corrobora com a degradação do capitalismo, na busca desenfreada para explorar e obter lucros, onde tudo possa ser comercializado, inclusive, as relações sociais.

Neste caso, na ampla maioria das vezes, as mulheres sequer têm o direito de escolher, já que a necessidade de sobrevivência se impõe ao desejo de se prostituir. Não se trata de uma posição moralista contra quem assim o deseje. Trata-se de ser contra um sistema que exclui as mulheres, que as joga em uma situação de pobreza extrema e que, diante da ausência de condições de vida, escraviza seu corpo, naturaliza o machismo e faz desse comércio um negócio lucrativo para os grandes capitalistas.

Em um contexto de violência cotidiana a que as mulheres estão submetidas, o que está colocado é a necessidade de mecanismos de proteção e defesa das mulheres que estão em situação de prostituição. A solidariedade de todas as entidades da classe trabalhadora e a luta contra a violência policial a que estão submetidas são fundamentais. Assim como a cobrança dos governos de medidas que deem condições reais a estas mulheres de decidirem sobre a sua própria vida. Isso só é possível com alternativas que lhes assegurem condições de emprego e renda, educação, saúde, moradia e proteção social.

O projeto 4.211/12, portanto, é um retrocesso ao legalizar mecanismos que garantam a exploração sexual e a prostituição como mais um comércio dentro da lógica capitalista. Não concordamos com ele. Não concordamos que o capitalismo se aproveite do corpo das mulheres para lucrar. Defendemos as mulheres em situação de prostituição e queremos que sejam donas de seus corpos. Para isso, no entanto, são necessárias condições concretas que possam livrá-las não só da violência policial, mas da violência desse sistema que lhes reserva opressão e exploração.

(Texto originalmente publicado no Portal do Brasil de Fato no dia 8/03/2013)

Ana Pagu é psicóloga e Raíza Rocha é Jornalista. Fazem parte do Movimento Mulheres em Luta (MML), filiado à CSP Conlutas. O movimento reúne jovens e mulheres trabalhadoras.
( http://mulheresemluta.blogspot.com.br)

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