Em 28 de março de 2014
07:19, Leide Manuela <leidemanuela.santos@gmail.com> escreveu:
Crianças fora da escola, intenso fluxo de turistas pelo
país e fatores socioeconômicos ampliam riscos de aumento da exploração de
crianças e mulheres durante o mundial de futebol no Brasil
Bianca Bibiano e Bruna Fasano
Campanha
da Anistia Internacional contra prostituição infantil (Reprodução)
"São grandes os riscos de meninas e meninos acabarem
seduzidos, manipulados por dinheiro ou promessas risonhas. Crianças na rua,
fora da escola e desocupadas quando o país vai ser visitado por milhões de
pessoas, entre as quais pessoas que podem se aproveitar da
situação, é um risco”, Marta Santos Pais, especialista da
ONU
No dia
12 de junho de 2014, os olhos de milhões de pessoas pelo mundo estarão voltados
para a abertura da Copa do Mundo no Brasil, no estádio do Itaquerão, na
Zona Leste de São Paulo. Durante um mês, as principais cidades do país
viverão uma efervescente e atípica rotina, movimentada pela presença de até um
milhão de turistas estrangeiros e do deslocamento de três milhões de
brasileiros para acompanhar os jogos do mundial de futebol. Enquanto a
administração pública corre contra o relógio para tentar reverter a própria
incapacidade de entregar as obras de infraestrutura a tempo, são outros números
que despertam a atenção da ONG sueca ChildHood, especializada em proteção
à infância.
A
instituição elaborou um estudo sobre o aumento de casos de exploração
sexual de mulheres e crianças em sedes de grandes eventos esportivos
nos últimos anos. O documento foi entregue à Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República em fevereiro. Segundo a Brunel University de Londres e
outras pesquisas associadas, na Copa da África do Sul, em 2010, foram
registrados 40.000 casos de exploração infantil (aumento de 63%) e
73.000 ocorrências de abusos contra mulheres (83% a mais) nos dois
meses entre a chegada das delegações, os jogos e o término do evento. Quatro
anos antes, no Mundial da desenvolvida Alemanha, foram contabilizados 20.000
casos contra crianças (aumento de 28%) e 51.000 contra mulheres (49% a
mais). Nas Olimpíadas da Grécia, em 2012, foram 33.000 casos contra crianças
(87% a mais) e 80.000 casos contra mulheres (78% de acréscimo). Se tomados a
dimensão territorial e os fatores socioeconômicos, tudo indica que
o retrato não deverá ser diferente no Brasil.
Dados
da Secretaria de Direitos Humanos mostram que, no ano passado, foram
registrados 33.000 casos de exploração sexual de crianças e
adolescentes por meio do disque-denúncia. A cidade de Fortaleza, que ostenta a
vergonhosa reputação de capital brasileira do turismo sexual, contabilizou 1.246
em 2013. O perfil das vítimas: meninas com idade entre 8 e 14 anos. Em junho, a
cidade abrigará um dos jogos da seleção brasileira, contra o México, na
primeira fase da Copa. A expectativa do Ministério do Turismo é que 60.000
turistas desembarquem na capital cearense.
A violência sexual nas sedes da Copa
Casos
registrados em 2013 em Estados que vão abrigar partidas do mundial de
futebol em junho e receberão intenso fluxo de turistas
São Paulo
|
6.391
|
Rio de Janeiro
|
5.998
|
Bahia
|
4.303
|
Minas Gerais
|
3.563
|
Fonte: Secretaria de Direitos Humanos
O
alerta pela proteção de crianças e adolescentes na Copa também foi feito pela
Organização das Nações Unidas (ONU). "São grandes os riscos de meninas e
meninos acabarem seduzidos, manipulados por dinheiro ou promessas risonhas. Ter
crianças na rua, fora da escola e desocupadas quando o país vai ser
visitado por milhões de pessoas, entre as quais pessoas que podem se
aproveitar da situação, é um risco”, afirmou a portuguesa Marta
Santos Pais, responsável pela área de violência contra crianças da ONU, durante
o último Fórum Internacional de Direitos Humanos, realizado no Brasil.
Sem
aulas – Em junho e julho, crianças e adolescentes terão as aulas
suspensas por recomendação da Fifa. A medida foi determinada pelo
Ministério da Educação (MEC) para tentar reduzir o trânsito nas ruas. O
MEC autorizou a mudança no calendário escolar e deixou a critério dos
governos locais a decisão de manter ou não as escolas abertas durante o mês de
julho.
“Esse
fator é um dos mais preocupantes, porque a escola é um espaço de proteção da
criança. Se ela fechar, essa criança ficará mais exposta durante o evento”, diz
Ana Maria Drummond, diretora da ChildHood. “Grandes eventos esportivos agravam
a vulnerabilidade: as crianças não estarão na escola e ninguém
cuidará delas. Além disso, tem o álcool, as drogas e os 'amigos'
que dizendo que o sexo com um estrangeiro pode transformar suas
vidas."
O
perigo para as crianças não se restringe ao turismo:
a ONG descobriu casos de exploração sexual pelos operários que passam
quase um ano nos canteiros de obras da Copa e da Olímpíada do Rio de
Janeiro, em 2016.
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Pelo
Código Penal, a pena para crimes de exploração sexual estipula prisão de
quatro a dez anos e multa. Atualmente, o estupro de vulnerável já é
considerado crime hediondo. Isso significa que quem tem relações sexuais ou
comete ato libidinoso contra menores de 14 anos é punido com pena de oito a
quinze anos de prisão.
A
punição dos envolvidos em casos de exploração de menores, entretanto, é rara,
segundo Karina Figueiredo, secretária-executiva do Comitê Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, órgão ligado
à Secretaria de Direitos Humanos do governo federal. Ela afirma que a maior
parte dos casos denunciados levam três anos para serem julgados. “As Varas
da Infância no Brasil não julgam o abusador. O caso segue para uma Vara comum e
cai nas mãos de juízes que lidam com toda a sorte de crimes."
Karina
diz ainda que muitos juízes também abrandam as punições por preconceito.
“Quando é um caso de estupro de menor, todos ficam imediatamente comovidos, mas
quando é uma menina se prostituindo na rua, ela é vista como safada. Alguns
juízes e promotores têm um pensamento completamente machista perante essa
criança. Dizem que a culpa não é do adulto que abusa, mas da menina, que não
está na escola porque não quer. Se falarmos de meninos travestis, então, a
punição é praticamente inexistente”, afirma.
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Combate – O estudo aponta que medidas de repressão contra o uso de hotéis pelos turistas acompanhados por menores de idade forçam os exploradores a usar os motéis. Taxistas, donos de motéis e até a polícia "pertencem a uma máfia que fornece crianças para sexo com estrangeiros”, diz o relatório.
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A
Secretaria de Direitos Humanos diz que vai investir 47 milhões de reais em
ações de proteção à criança – 5 milhões de reais a mais do que no ano passado.
O governo afirma ainda que implantará comitês de atendimento especial nas
cidades-sede. Outra ação é o lançamento de um aplicativo para celular
que localiza equipamentos públicos de proteção à criança, como conselhos
tutelares, com base em dados de GPS.
O
Ministério do Turismo afirma que realiza uma campanha especial para a Copa com
cartazes, folhetos e guias em três idiomas espalhados em aeroportos do país. No
mês passado, a presidente Dilma Rousseff escreveu em sua conta
no Twitter que o Brasil "está feliz em receber turistas que chegarão
para a Copa, mas também está pronto para combater o turismo sexual".
Apesar
das palavras da presidente, a principal ferramenta de combate ao turismo
sexual é falha. O site de VEJA testou o serviço do disque-denúncia na
última semana. Na quarta-feira, às 15h, a mensagem de que “no momento
todos os nossos atendentes estão ocupados" se repetiu 33 vezes em dez
minutos. Duas horas depois, o mesmo aviso foi ouvido nove vezes. Além da
dificuldade em encontrar um atendente na linha, a burocracia também dificulta a
denúncia: como o sistema é nacional, é exigido, por exemplo, o CEP exato do
local onde o abuso foi flagrado. Ao final, quem consegue registrar seu
caso pelo telefone ainda corre o risco de ficar somente com um número de
protocolo – é o próprio denunciante quem tem que correr atrás para saber
se a denúncia foi mesmo apurada.
FONTE:
VEJA
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