terça-feira, 4 de dezembro de 2012

CREAS PARTICIPA DAS AUDIÊNCIAS CONCENTRADAS

O papel das audiências concentradas

A recomendação da Corregedoria Nacional de Justiça inserida na Instrução Normativa nº 02, de 30 de junho de 2010[4] previu a realização de audiências concentradas, nas quais o magistrado se vale de equipe interprofissional para realizar levantamento da situação das crianças e adolescentes inseridos em medida protetiva de acolhimento.
Na prática, observou-se desvirtuamento pontual do instituto. Alguns juízes convocaram representantes do Poder Executivo Municipal (principalmente pelas Secretarias de Assistência e Desenvolvimento Social, Educação e Saúde), promotores de Justiça e defensores públicos para as audiências concentradas, quando a recomendação da Corregedoria Nacional de Justiça fala expressamente na realização de parcerias com esses órgãos.
As audiências concentradas encerram grave problema: não estão expressamente previstas em lei, o que lhes retira a obrigatoriedade de realização e a validade perante o ordenamento jurídico.
Em parecer datado de 22/02/11[5], a Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo destacou a “resistência de magistrados à realização das audiências” – o que não foi algo pontual, já que o relatório fez menção a “diversos” Juízes da Infância e da Juventude.
O próprio parecer reconheceu que a falta de adesão desses magistrados se deu pela falta de obrigatoriedade de cumprimento da recomendação da Corregedoria Nacional de Justiça e do parecer daquela Coordenadoria.
Assim, sendo a realização dessas audiências uma faculdade do magistrado, do mesmo modo é facultado ao promotor de Justiça e ao defensor público delas participar.
Além disso, não havendo expressa previsão legal, também o magistrado não pode obrigar técnicos (ligados a secretarias municipais, entidades de atendimento, órgãos públicos etc.) ao comparecimento, já que uma eventual condução coercitiva ou penalização afrontaria diretamente o disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição da República.
Continua a existir para o juiz da Infância e da Juventude, porém, a obrigação legal de reavaliação periódica do caso do acolhido (artigo 19, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente). Caso opte pela não realização das audiências concentradas, poderá realizar a avaliação – pormenorizadamente, com o auxílio de sua equipe técnica e, se o caso, convidando outros integrantes da rede de atendimento para troca de experiências e conclusões sobre a questão.
Há outro problema – de extrema seriedade – envolvendo esses atos: crianças e adolescentes apresentam reações variadas e impressionantes quando expostas a essas audiências.
Ilustra-se com um exemplo prático: na primeira audiência concentrada que se tornou modelo no Estado de São Paulo, gravada que foi pela APAMAGIS, foi observado que um grupo de irmãos (com três, seis e sete anos de idade) se apresentou tímido, quase que em desconforto. A autoridade judiciária apresentou todas as pessoas que estavam presentes ao ato (num total de catorze) e os irmãos se entreolhavam, intrigados.
No transcorrer da audiência, a autoridade judiciária foi alertada para o fato de os infantes estarem cansados. Determinou-se o prosseguimento do ato. O resultado foi evidente: a criança mais nova dormiu em plena audiência, sem sequer contar com um local para se amparar durante aquele sono. O que foi comemorado pela autoridade como uma audiência bem-sucedida se revelou para o observador externo como um desastre.
Esse é um típico exemplo de reações que foram observadas durante as audiências concentradas. Diversas crianças se mostravam ansiosas para falar com a autoridade judiciária (num misto de curiosidade e de exibicionismo, apenas para mostrar aos demais que havia falado com um juiz). Adolescentes se mostravam apáticos e desinteressados, na maioria das vezes.
Em todas essas oportunidades, observou-se que os resultados que foram alcançados (reavaliação de casos, indicação de serviços públicos a buscar, diagnóstico de possível restituição ao convívio na família de origem ou encaminhamento para lar substituto) poderiam perfeitamente ocorrer sem a exposição das crianças e adolescentes, que dispensariam absolutamente sua própria presença às audiências, caso lhes fosse ofertada tal opção.
III – Cautelas a observar na realização de audiências concentradas
No caso de a autoridade judiciária optar pela realização das audiências concentradas (as quais são facultativas tanto para o magistrado como para todos os integrantes da rede), alguns cuidados devem ser tomados para que se chegue a bom termo no que tange à avaliação da questão envolvendo crianças e adolescentes acolhidos.
Em primeiro lugar, há que se ter cuidado com o local de realização dessas reuniões. Isso porque em muitos casos os magistrados decidem realizar suas audiências na própria entidade de acolhimento em que a criança ou adolescente se encontra.
Há casos em que o infante ou jovem se mostra extremamente desconfortável com a presença de autoridades e de técnicos que sequer conhece. O ambiente de acolhimento (artigo 92 e incisos da Lei nº 8069/90) é equiparado ao que o acolhido está acostumado a chamar de casa, à falta da sua própria.
Por ser o ambiente a que o infante ou jovem está habituado a se referir como casa, não é tranquilo que aceite estranhos para decidir sobre seu futuro. Assim, deve se ter como facultativa a presença da criança ou adolescente à audiência concentrada. Não se pode forçar alguém a participar de algo que não deseja ou não entende. Ademais, obrigar o infante ou jovem a comparecer a tal audiência constitui verdadeiro atentado a seus direitos fundamentais (em especial o respeito e a dignidade, previstos nos artigos 17 e 18, ambos da Lei nº 8069/90).
A respeito do tema, já se manifestaram EDUARDO ROBERTO ALCÂNTARA DEL-CAMPO e THALES CEZAR DE OLIVEIRA, indicando que “ao ordenar respeito ao direito do menor de agir segundo suas próprias decisões, pretendeu o Estatuto conceder à criança e ao adolescente a possibilidade de desenvolver sua própria personalidade[6].
Prosseguem os autores dizendo que “o combate aos abusos cometidos contra menores é um dever da sociedade como um todo[7].
Assim, caso a criança ou adolescente concorde expressamente em participar da audiência, desejando estar junto ao grupo, seus direitos serão respeitados.
O magistrado, quando da realização das audiências concentradas, também tem o dever de manter a sobriedade de seu cargo. Não é o fato de estar no ambiente em que crianças e adolescentes estão residindo que o torna parte daquele lugar. Se as crianças desejarem realizar uma apresentação teatral ou musical, por exemplo, a autoridade judiciária não necessita se juntar a eles (em danças, cantos etc.), mas sim prestigiar. Afinal de contas, não se está num evento social ou de piedade – a audiência concentrada não se presta a isso.
Igualmente deve a autoridade judiciária tomar cautelas para sua atitude não transbordar para aquela banida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e que estava presente quando da vigência do Código de Menores (Lei nº 6697/79), ou seja, a de bom pai (ou mãe) de família.
Isso significa que o infante ou jovem deve ser tratado como sujeito de direitos (vide artigo 15 do Estatuto). Não há a menor possibilidade de invocar a aplicação da lei para o caso concreto unicamente pensando que se está fazendo um bem para a criança ou o adolescente. A audiência concentrada não é palco para benemerências.
Atitudes como a de se aproximar da criança ou do adolescente, prometendo que irá colocá-lo numa seletiva para times de futebol, por exemplo, são censuráveis, já que o magistrado pode perder a seriedade em suas palavras, passando a (falsa) imagem para o acolhido de que será uma pessoa que solucionará todos seus problemas de vida, prometendo-lhe algo que eventualmente não se concretizará (gerando frustrações profundas no acolhido).
Finalmente, devem ser evitadas audiências concentradas para casos em que não há solução a curto prazo para o caso concreto. Se determinada criança ou adolescente vai permanecer em acolhimento por período prolongado, não há como ser ela convidada a participar para se indagar algo vago como o que quer da vida ou o que planeja fazer assim que sair da obra. Causará enorme frustração para o infante ou jovem saber que a autoridade judiciária esteve em seu ambiente, movimentou todo um aparato e ao final nada decidiu de concreto que pudesse fazer com que seus direitos fossem respeitados.

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